quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

CONTROLE ABSOLUTO - A MÃE


Geralmente a história de vida da mãe controladora é bem parecida: Ela não pôde fazer escolhas livremente em sua própria vida. Foi uma criança que não recebeu muito carinho, ou que sofreu maus tratos. Na adolescência, oscilou entre a obediência cega e a rebeldia total, mas sempre debaixo do jugo de pais autoritários. Não sabia o que queria e acabou engravidando ou se casando com alguém que ela não sabia direito se amava, mas que poderia, pelo menos, tirá-la da casa dos pais que a maltrataram ou a impediram de ser livre. E, como o marido não era o príncipe que ela imaginava e o casamento não lhe deu a liberdade que queria, logo ela se sentiu frustrada e tratou de se apegar ao filho que tinha, pois esse era indefeso e precisava dela. Enquanto o amamentava e era a única que poderia sustentar aquela vidinha frágil, pela primeira vez na vida, ela sentiu aquele poder e isso a embriagou e viciou.

Ao ver o filho dar os primeiros passos, sentiu um misto de orgulho e pânico. Ele, um dia, firmaria aqueles passinhos e andaria para bem longe. Não! Isso não poderia acontecer, o que restaria para ela? Não lutou pela carreira profissional que queria, não estudou, não saiu de casa, não realizou nenhum sonho, por pura covardia. Quando as dificuldades se afiguraram em seu horizonte, ela entregou os pontos, jogou a culpa em qualquer fato mais turvo que pudesse servir de bode expiatório e voltou vencida, dizendo para si mesma que a segurança do lar era a melhor coisa para ela, ainda mais porque, agora , mais do que nunca, ela não poderia mesmo sair de casa para correr atrás de seus sonhos. Tinha um filho que dependia dela. O filho, então, virou sua desculpa para tudo. Mas ele começou a crescer, teve que ir para a escolinha, fez amiguinhos. O filho, agora, arregalava os olhinhos para coisas que não era ela quem fazia. Ria de piadas que não eram suas. O filho falava palavras que ela não ensinou. Isso era como um punhal em seu peito.

Então, prontamente ela tratou de mostrar ao filho que o mundo não era seguro longe dela, que as coisas pelas quais ele se interessava poderiam ser falsas ou não ter nenhum valor e as pessoas que o faziam sair de casa poderiam ser mentirosas e nunca iriam amá-lo tanto quanto ela. E, para conseguir que o filho acreditasse nisso, ela se empenhou ao máximo. Empregou todas as suas forças para criar situações, aproveitou cada detalhe, cada atitude dos outros que mostrasse ao filho que ela tinha razão.

Quando o filho saía, ligava a cada meia hora para saber onde estava e o que estava fazendo em detalhes. Se o filho viajava, procurava saber se tinha algum parente ou outro aliado que a ajudasse a mantê-lo sob vigilância, caso ele quisesse abrir as asinhas longe dela. É do tipo que entrava no quarto do filho sem bater, olhava os bolsos, a bolsa, os emails, as ligações do celular. Queria saber quem era cada novo amigo, o que fazia, se a religião era a mesma, se os pais também o controlavam. Funcionava como um sensor, para permitir ou barrar o acesso do filho ao mundo externo e vice-versa, não permitindo nada que lhe desse mais autonomia.

Se o filho tinha uma namoradinha que ameaçasse seu controle sobre ele, ela logo dava um jeito de o filho pegá-la em alguma situação embaraçosa, envenenando lentamente a relação com indiretas certeiras: “Esse menina é muito dada, né..Tem um monte de amiguinhos. Esses dias eu a vi passando com uma turminha, toda falante, feliz...você conhece os amiguinhos dela? Porque você não foi passear com eles também, filho? Ela não te chamou, não?” E por aí vai...

Se era uma filha e, se essa filha se tornasse uma mocinha bonita e desejada pelos rapazes, ela dava um jeito de deixar sua auto-estima abaixo de zero : “Menina, vai por uma roupa mais decente, onde já se viu sair com uma sainha desse tamanho? E esse cabelo, pra quê isso? Pra que tanta maquiagem, você tá parecendo um palhacinho de circo, vai lavar essa cara! Você me vê usando esse tipo de roupa? Não! Então? Eu falo pro seu bem, porque a filha da vizinha de cima já tá na boca do povão e ela começou usando essas sainhas aí...agora tá falada, já ouvi dizer que até dorme na casa do namorado e que já teve mais de oito namorados. Ninguém sabe com quem ela namora de verdade! Você parece que está querendo ir pelo mesmo caminho...eu não criei você para isso!”

Se se mostrava interessada em cursos universitários em outra cidade a mãe dizia: “Filha, como você vai se virar longe de casa? E além do mais, uma moça morando sozinha, o que as pessoas vão dizer. Se seu pai souber disso ele enfarta. Pense bem... E você não sabe nem fritar um ovo, nunca lavou uma peça de roupa, eu que sempre fiz tudo pra você! E você acha mesmo que vai passar no vestibular?”

Se pensava em seguir carreira artística, a mãe mostrava o absurdo dessa escolha: “Meu filho, você só pode estar brincando! Ser músico? Como é que você vai se sustentar? Você está trabalhando duro naquele escritório e ainda não consegue nem comprar suas roupas, eu que sempre te ajudo com o cartão de crédito...e seu pai nem pode sonhar com uma coisa dessas.Eu te ajudo escondida dele, você sabe. E eu sonhei a vida inteira que você se tornasse um advogado de sucesso, como meu irmão - que Deus o tenha! - Ah, meu filho, se eu pudesse ter terminado meu curso de Direito...mas eu me sacrifiquei, deixei tudo para criar você, não que eu me arrependa, você é a melhor coisa que aconteceu na minha vida, mas acho que eu não mereço esse desgosto, filho.”

Para mim, isso pode ser traduzido em: “Eu devo ser a única mulher que você ama e não essa franguinha! Mesmo que para isso eu te faça se sentir traído."

"Eu não pude usar as mesmas minissaias e maquiagem, na sua idade e você também não vai usar! E para isso eu te faço se sentir feia e vulgar."

"Eu não tive capacidade de estudar e morar sozinha! E não é você que vai esfregar isso na minha cara, nem que eu te faça sentir incapaz e culpada."

"Eu te criei para seguir a profissão que eu queria ter. Eu não pude fazer escolhas,você também não vai fazer. Vou te fazer se sentir culpado e tolo."

"Você não vai sair de perto de mim, eu te deixei dependente para garantir que sempre serei necessária na sua vida.”

Isso não parece ser exatamente amor. Está mais para egoísmo. E desespero, porque essa mãe sabe que se não puder mais manter as garras cravadas no filho, não lhe restará mais nada. Ela passou a mensagem de que ele era frágil e ela era sua defensora, mas o que acontece é o contrário e ela sabe. Quando o filho for embora, ela terá que encarar sua covardia e mediocridade, sua imaturidade. Talvez encarar seu casamento falido. Terá que ver que não cresceu, que ainda é uma menininha assustada, mal tratada e que seu desejo de se vingar de quem a maltratou ainda não morreu, apenas se disfarçou no que ela chamou de maternidade.

Pode ser que ela não saiba que existe uma forma mais saudável de ser mãe e de ser amada, sem precisar impor remorso ou medo, ela pode não ter conhecido outra forma de amar, ou nenhuma...e isso atenua sua culpa, mas não a isenta da responsabilidade por suas escolhas. Todos temos um momento na vida em que nos é mostrado um novo modo de encarar as coisas e seguir pelo caminho da maturidade, mas esse nem sempre é o mais fácil, e os covardes sabem disso. Ela não viu, ou não quis ver, que poderia ter dado ao filho a capacidade de voar, mas sabendo que sempre teria um ninho para onde voltar, mesmo que isso exigisse mais dela mesma. Ao invés disso, lhe cortou a asas...

Infelizmente, eu não posso deixar de falar sobre isso. Vejo tantas pessoas que gosto e admiro presas a mães assim e que realmente acreditam ser tão incapazes e indefesas quanto elas as fizeram acreditar que são e acreditando que todas as palavras duras e humilhantes que ouviram durante toda a vida eram mesmo para o seu bem. Vejo amigos perdendo grandes oportunidades de crescerem e se tornaram pessoas maduras e seres humanos integrais, desenvolvidos mental e emocionalmente e capazes de fazer boas escolhas para si. Se meus amigos não se libertarem desse controle absoluto terão filhos, um dia, e não saberão criá-los de maneira diferente, reiniciando esse ciclo insano de frustração e controle. Serão profissionais frustrados. Serão amigos sem confiança. Serão cônjuges amargos...serão infelizes.

E o mais difícil de tudo é que, quem os controla e os aprisiona é a pessoa que mais amam. E eu não posso fazer nada, além de escrever esses textos com o coração pesado... e esperar que algum deles perceba que suas asas sempre voltam a crescer e que eles ainda podem voar se quiserem, sem medo de se perder do ninho, pois ele sempre estará lá.


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