segunda-feira, 14 de março de 2011

AMARELINHA



Você se lembra da amarelinha? Amarelinha é quando a gente pinta no chão uns quadrados com números de um a nove lado a lado,e no final uma nuvem escrito "céu". Aí a gente vai pulando, de um pé só, um número por vez, da esquerda para a direita até chegar na tal nuvem. Se a gente desequilibra e cai , ou põe o outro pé no chão, tem que voltar tudo e começar de novo. Essa era a brincadeira que eu mais gostava quando era criança. Uma das poucas que eu brincava e eu lembro bem como era...mas tem gente esquece!

E como é que perdemos a infância desse jeito? Como é que esquecemos? Quando a gente é criança, tudo é divertido, tudo é brincadeira e tudo é verdade. Pular uns quadradinhos com números pintados no chão, desequilibrando, caindo, rindo muito... e indo até o céu! Errar, na infância é mais um motivo para se divertir. Tentar de novo, mais um incentivo à continuar a brincadeira...ficamos na expectativa por novas risadas...é sempre divertido, temos tempo para tudo, até para errar...

Então o que acontece? Como aprendemos que errar é feio? Como aprendemos que não devemos perder tempo com bobagens de criança? Como aprendemos que o resultado deve ser sempre o mais importante e que "otimizar"o processo sempre garante um bom resultado, com a menor margem de erro possível? Daí que a amarelinha começa a ficar sem sentido.Pensamos: "Por que não colocar os números em fila, um atrás do outro, e não lado a lado, e ir andando com os dois pés para chegar mais rápido? E por que não correr?" Tá! Pode ser mais rápido, mas qual é a graça?Até porque, quando chegamos no céu, acaba a brincadeira... E a gente só da risada enquanto está caindo, indo todo torto...

Mas, achamos que a prioridade está na performance e que depois que tudo estiver sistematizado e funcionando sem sustos, poderemos relaxar para então começar a olhar em volta e ver se dá para ousar um sorriso, um pulinho, uma palminha, uma dancinha, um gritinho de alegria... desde que isso não atrapalhe o andamento das tarefas e nem pareça errado...Sim, porque até parecer errado, é errado.

E, em algum lugar entre aquela criança feliz e esse adulto controlado e "correto", errar passou a significar falhar. Mas quem disse que essas duas coisas são iguais? Falhar está mais próximo de fracassar. É quando não alcançamos um objetivo e desistimos dele, não tentamos mais. Mas errar nem sempre significa desistir. Significa reconsiderar o processo, redefinir o roteiro, tentar de novo e ver se dessa vez dá certo, sem ficar sentindo culpa por um fracasso antecipado. Tem coisas que a gente tenta e erra muitas vezes até dar certo. A cobrança em estar sempre perfeito e fazer tudo minusciosamente correto, já na primeira tentativa, chega a ser cruel.

Quem disse que não se pode errar nunca? Qual dos deuses disse isso? Existe algum santo padroeiro da perfeição? Porque eu não conheço... e, se tiver algum, não me contem! Eu prefiro continuar pensando que errar não é pecado. Eu gosto de saber que sempre posso recomeçar, que minha margem de erro é bem maior que a de acerto e que a amarelinha me ensinou a chegar no céu.

Mas o leitor mais perfeccionista, pressionado a acertar sempre, pode estar pensando que é um desperdício de tempo errar, começar de novo e correr o risco de errar novamente. Que acertar na primeira economiza tempo e por aí vai. Até concordo, mas com o tempo que sobra, você faz o quê? Porque se você souber aproveitar o tempo que sobra com muita diversão e estiver realmente convencido de que tudo está sob controle, eu nem discuto mais.

Só que o mais provável é que, além de se cobrar cruelmente para estar sempre certo, mesmo quando acerta, ainda sobra aquela duvidazinha, aquela pulguinha atrás da orelha..."Será que não esqueci de nada? Eu não deveria voltar e conferir para ver se está tudo certo mesmo? Pareceu tão fácil...deve ter alguma coisa errada... é certo eu estar aqui relaxando?" Ah! Pelo amor de Deus, gente! Aproveita a vida, porque o final é igual para todo mundo, quem erra e quem acerta nasce e morre do mesmo jeito. Agora, se você quer viver cem anos, mas vai ficar esse tempo todo se cobrando...Isso não parece divertido. E, por favor, entenda! Não estou defendendo a irresponsabilidade... estou defendendo a diversão como componente importantíssimo da qualidade de vida, que é o que conta.

Mas diversão é uma coisa que a gente sabe muito bem quando é criança e esquece...porque tem que fazer tudo certo e não errar nunca... o tempo que a gente passava brincando e se divertindo, agora é usado para dar atenção aos detalhes, pensar em todo o processo, conferir uma, duas, vinte vezes! Seja lá qual for a tarefa. Só porque alguém disse que agora você é mocinha ou homenzinho e não pode perder tempo com bobagens de criança, que tem que ser responsável. Mas quem disse que ser responsável exclui a alegria e a brincadeira de nossa vida? Aquela alegria gratuita, sem motivo, aquele riso solto, de rolar no chão, até doer a barriga, mesmo depois de cometer um erro... ou justamente por isso!

Assim dá para entender porque um grande Mestre disse que deveríamos nos tornar crianças outra vez... Porque, só de viver sem tanta cobrança por perfeição, sem tanto medo de errar e sempre poder voltar e ir tentando de novo, já deve nos levar ao reino dos céus. Não é mesmo? Como na amarelinha. Mas tem gente que esquece...

Um comentário:

  1. Adorei!
    Eu tenho me esforçado pra me libertar dessa "obrigação" de ser perfeita, de qualquer obrigação, na verdade. Fazer mais as coisas por prazer (mesmo que seja arrumar a casa) respeitar e perdoar mais a minha própria vontade!
    Pra se divertir é preciso tão pouco, e a gente fica complicando tudo. O erro tem que ser perdoável sim, até porque em um determinado momento, achamos que aquela era a melhor opção por algum motivo. Mesmo aquilo que não resultou tão bem depois, com certeza rendeu boas coisas, boas experiências, sei lá.
    Estou muito mais a favor de ser livre, inclusive (ou principalmente) de mim mesma.
    Beijo boneca!

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