sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Como encontrei Deus.


Eu nasci e cresci em igreja evangélica. Daquelas que tinham um infinito número de proibições e normas de comportamento baseados na interpretação bíblica dos pastores fundadores. Mas naquele tempo eu não entendia bem assim. Naquele tempo eu achava que as coisas proibidas eram pecados que me levariam pro inferno se eu as praticasse ou mesmo pensasse em praticar...

Só que ter essa noção de pecado não resolvia tudo. Eu ficava pensando nos porquês. Qual era o motivo de eu ter que vestir roupas diferentes de todas as meninas da minha idade? Qual era o motivo de eu não poder ter televisão em casa pra assistir os desenhos e outros programas infantis que eu tanto gostava? Qual era o motivo de eu ter que fingir que não estava ouvindo e que não gostava tanto do samba de raiz que vinha da casa do vizinho todo sábado de manhã?

Tudo isso me fazia sentir que era diferente de todo mundo em volta. Um tipo de alien. Alguém que não pode participar da vida como qualquer pessoa normal. Queria me esconder de todos, eu era uma estranha na vida. Mas quando eu ia pra igreja e ouvia o pastor falando que nós não éramos desse mundo e que o crente tem que ser diferente e que somos separados... isso aumentava ainda mais o abismo entre mim e a vida normal. Eu cresci achando que nunca poderia "participar" de verdade de nada. Nem mesmo da igreja e das atividades que aconteciam lá.

Sim, porque na igreja tinha atividades pra crianças, adolescentes, jovens, senhoras casadas, homens adultos. Cada grupo tinha suas funções  e podia se reunir de vez em quando para lazer e diversão. Mas o sentimento de não pertencer também me mantinha afastada como que por um vidro dali. Porque todos pareciam felizes, inseridos, integrados, aceitando e sendo aceitos. Eu não. Eu me sentia diferente de todos, mesmo me esforçando tanto, com medo de ir pro inferno por causa dos meus pensamentos 'diferentes'.

Meus pensamentos sobre Deus e sobre como ele deveria encarar tudo aquilo. Quando comecei a pensar sobre essas coisas, me lembro de passar noites inteiras queimando meu cérebro, porque a noção de pecado e salvação não combinava muito com a ideia de um Deus Todo-Poderoso. Comecei a pensar que Deus deveria ser muito maior do que aquele que me apresentavam todos os dias na igreja. Aquele me parecia mesquinho,vingativo, caprichoso, que manipulava as pessoas em troca de amor e proteção, como alguém que, se fosse uma pessoa e se eu o conhecesse hoje, me afastaria rapidamente, por encontrar nele traços de transtorno de personalidade anti-social.

E eu não podia aceitar que aquele Deus que eu entendia e sentia fosse tão pequeno a ponto de concordar com as ações egoístas dos líderes daquela igreja. Deus era grande demais pra mim. Grande demais pra ficar se preocupando com o tamanho do meu cabelo, da minha saia. Isso não me parecia coisa do mesmo Deus. Alguém que criou e sustentava todo o Universo com inteligência e perfeição não podia ser o mesmo que criou aquelas regras tão bobas. Era contraditório demais pra mim.

Mas eu não tinha muita saída. Eu tinha aprendido que Deus só podia ser encontrado, ou melhor, eu só poderia me aproximar dele através da igreja. Apesar disso também ser contraditório, eu ainda tinha muito medo do inferno... Então fui ficando ali. Deslocada do mundo, deslocada da igreja. Me esforçando para ser uma cristã melhor, lutando contra mim mesma e contra minha capacidade de raciocínio. Isso durou muito tempo. Esse esforço todo por 'aceitar' que essa era a vontade de Deus me levou por caminhos que eu não gostaria.

Vivi achando que o sofrimento e a dor eram requisitos necessários para ser perdoada por meus pensamentos perigosos e foi assim que cheguei ao fundo de um poço tão escuro, estreito e fundo do qual achei que nunca sairia. E foi nessa hora mais difícil e escura, na hora do conflito e do sofrimento mais profundo que eu consegui perceber que aquele Deus que eu conheci na igreja não era o mesmo que estava lá pra me socorrer. O que eu aprendi na igreja não deu conta do que eu precisava. Quando eu estava no momento mais difícil da minha vida, além de não ter ajuda psicológica, também não tive ajuda espiritual capaz de me orientar e me mostrar o caminho pra fora dali. Não... o que eu ouvia era algo do tipo: o crente tem que aceitar suas lutas com humildade diante da vontade de Deus. O crente tem que se humilhar. O vaso tem que ser quebrado. Se está passando luta é por que Deus é que tem que ser engrandecido e o crente tem que diminuir.

E eu quebrada, destroçada por dentro... Me sentindo morrer. A pessoa sente essas coisas. Sente quando não vai aguentar. A pessoa sabe quando está no limite de sua sanidade. A pessoa que já chegou num ponto sem volta, sabe... Então eu me recusei a continuar nesse caminho. Me recusei a continuar adoecendo e morrendo diante de uma platéia cega e surda aos meus gritos internos de socorro. Não. Deus teria que ser aquele que eu entendia quando criança. Deus deveria querer que eu fosse feliz. Do contrário, que tipo de sádico seria ele se me mantivesse naquele estado de desespero só pra se sentir maior que eu? Não. Deus não era isso. Eu não podia acreditar.

E como aquele Deus, o meu, não tinha ainda se mostrado pra mim, a intuição, essa da Alma, que relembra sua origem e que mostra o caminho de volta foi o que me salvou. Foi quando eu desisti do sofrimento, quando eu desisti da 'salvação' que me tinha sido apresentada por mais de 25 anos é que eu pude encontrar meu caminho. Eu soltei aquela rocha e fui com a correnteza. E fui indo cada vez mais para dentro de mim mesma e enquanto me soltava ia recebendo pistas, presentes, ferramentas para ir abrindo minhas portas para ir entrando cada vez mais em mim... E foi nesse momento que meu Deus apareceu.

Foi quando eu estava olhando pra mim que eu o vi. Foi quando deixei de olhar para o alto e para fora, que eu pude vê-lo. Foi quando parei de suplicar e clamar por misericórdia que pude ouvir sua voz. Eu encontrei Deus, eu o senti, eu vivi Deus em mim. Eu alcancei o céu, depois de ter sido consumida pelo inferno... tudo aqui mesmo, nessa vida. Não precisei da morte, nem da ressurreição para andar lado a lado com Deus. Só precisei ter coragem pra desistir de tudo.

Não precisei mais questionar nada. Não precisei mais da culpa, não precisei mais do inferno, não precisei mais de salvação. Se aprendi alguma coisa enquanto estava na igreja, foi que existe um Deus...apesar de não ser bem aquele que eu conheci pessoalmente...

Se eu vou voltar um dia... sinceramente não sei. Se estou apenas numa fase da minha caminhada, ah, isso sim! Mas sinto que é um caminho que só me leva adiante, não faz voltas, não tem retorno e me leva sempre até Deus. É o meu caminho... estou feliz por tê-lo encontrado e estar trilhando, desbravando e descobrindo da única maneira que poderia ser: sozinha!

Um comentário:

  1. A religião ameaça e amedronta. A espiritualidade lhe dá paz interior. A religião lhe busca para que acredite. A espiritualidade você tem que buscá-la. Boa sorte em sua caminhada!

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