sábado, 14 de julho de 2012

ASSUNTO PROIBIDO

Ah, sim...eu tenho um assunto proibido. Um do qual não se fala muito, um que ninguém quer mencionar e, quando menciona, não fala o nome... Chamam de "aquilo que aconteceu".

"Aquilo que aconteceu" comigo foi perder um bebê. Meu primeiro filho.  Já escrevi outros textos sobre isso na época em que aconteceu. Já chorei mais do que eu pensei que fosse capaz, já lamentei.  Já passei por vários estágios desse luto, já achei que tinha sido injustiçada e amaldiçoei minha sorte. Já senti raiva, já senti uma tristeza imensa, a maior de todas. Mas tudo isso eu vivi sozinha. Apenas uma pessoa no mundo pode ter entendido e sentido o mesmo que eu, que é o meu marido...Ele perdeu o mesmo filho e teve que ser tão, ou mais forte que eu diversas vezes. Só ele me olhava nos olhos quando falava dessa perda, só ele sentia a mesma dor... E por isso, muitas vezes eu precisei disfarçar minhas lágrimas, chorar bem baixinho com a cara enfiada no travesseiro para ele não ouvir. Eu não queria que ele sofresse mais. Eu queria sorrir pra ele, porque eu sabia que meu sorriso era o impulso dele, às vezes era a única fonte de energia que ele tinha. Eu sabia disso, porque o sorriso dele tinha esse significado pra mim.


Mas o restante das pessoas em volta, com exceção de umas poucas,as que eu menos esperava,  não olhou nos meus olhos, não me abraçou e nem me perguntou como eu me sentia. Alguns estavam longe, alguns estavam comemorando suas próprias alegrias, alguns nem sabiam como lidar com uma perda assim... O fato é que se criou uma aura de assunto proibido, uma coisa que não se menciona... e eu não sei bem por que. 


Depois de meses da perda do meu bebê eu encontrei minha família e amigos próximos. Eu tinha ficado  dias e noites pensando em como seria, como eu me sentiria, como responderia às perguntas, quantos abraços eu ganharia, quanto eu choraria, quem choraria comigo... Na verdade, eu desejei tudo isso. Desejei ser acolhida, desejei que as pessoas que eu amava me abraçassem forte. Desejei o consolo e o colo, mesmo que fossem apenas simbólicos. Mesmo que fosse apenas um olhar honesto, um aceno com a cabeça que dissesse: "eu me importo com a sua dor".

Mas para minha surpresa, nada disso aconteceu. Incrivelmente ninguém me abraçou por esse motivo. Eu tinha decidido a duras penas, viver minha vida, seguir em frente e esperar por dias melhores. Eu tinha decidido tentar engravidar novamente. Eu tinha decidido viver e lidar com todas as pessoas e situações da minha vida, como se já tivesse meu filho comigo, como se já tivesse engravidado de novo...eu tentava ver tudo do ponto de vista: "e se eu não tivesse perdido meu bebê, como eu estaria agora, o que eu diria a essa pessoa, o que eu responderia, como me comportaria diante dessa ou daquela situação, como receberia tal notícia, como encararia as coisas?"

E assim eu ia vivendo. Eu decidi ressuscitar toda manhã, porque toda noite eu morria com meu filho. Mas eu tinha decidido viver. O resultado de tudo isso é que eu sorria. Sorria para o meu marido se sentir um pouco menos destroçado, sorria para mim mesma no espelho, tentando não esquecer de como era. Sorria para os amigos, sorria no trabalho, na faculdade, no restaurante, na rua, na web cam... Sorria no jantar e no almoço em família... e talvez tanto sorriso os tenha confundido. Ou aliviado... por se sentirem livres de ter que lidar com tamanha dor. A de uma mãe que perdeu o filho.

Mas a dor estava ali, atrás do sorriso e ninguém viu, talvez por não ter olhado direto nos meus olhos, que nem sempre sorriam. E, se alguém conseguiu ver, não falou nada...estavam todos comemorando a vida enquanto eu, silenciosamente, tentava não morrer. Eu só queria que no meio de tanta vida tivesse havido um minuto respeitoso de silêncio pela morte que eu carregava ali comigo ao invés do silêncio temeroso pelo constrangimento que o assunto traria no meio de tanta comemoração.

Porque a morte é assunto proibido...

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