sexta-feira, 2 de agosto de 2013

OUVINDO A CONVERSA ALHEIA


Eu e minha mania de ouvir a conversa alheia.
Hoje foi no ônibus. Sentei do lado de uma moça que falava, ou melhor, brigava, com alguém ao telefone. No final da briga ela disse: "Tá. Tchau. Te amo".
Em seguida ligou pra outra pessoa- acho que era uma amiga- e contou toda a conversa que acabara de ter na ligação anterior. Com toda minha perícia para ouvir as conversas  dos outros apurei o seguinte:
A moça era noiva e estava brigando com o noivo por causa da situação financeira complicada da família dele. Parece que ele comprou um apartamento financiado pra eles morarem depois de casados, mas os pais do moço eram separados e o pai estava querendo morar com a nova 'esposa' no tal apartamento, pagando aluguel pro filho, com o qual o filho pagaria o financiamento. Esse arranjo, pelo que eu entendi, também solucionava a situação da mãe do rapaz, que não tinha mais ninguém, só o filho, o noivo da moça. Eles tinham uma casa que era da família e que, na separação, tinha ficado pra mãe, mas eles não fizeram qualquer tipo de manutenção por anos e agora, com o casamento eles iriam morar na tal casa.
A noiva não queria morar lá sem reforma e esse era o motivo da briga. Não só isso: o pai do noivo, parece, estava com problemas financeiros e não poderia pagar o tal 'aluguel' que eles tinham acertado. E a noiva brigava, dizendo que eles não pagariam nenhum centavo do financiamento, que, se a casa não passasse por uma reforma profunda, ela não moraria lá e iria pro apartamento, que o pai dele não poderia tirar 'aquela mulher da favela pra colocar no apartamento deles de graça' e ele - o noivo- ainda ter que pagar o financiamento sozinho, que a mãe dele não poderia ter pego empréstimo de dez mil reais no banco pra gastar dinheiro à toa e não ter colocado um realzinho pra comprar material de construção pra arrumar a casa que estava caindo aos pedaços...
Enfim, eu e minha mania de ouvir conversa alheia. O pior é que, automaticamente eu começo a pensar na situação dessa família. Começo a inferir o que motiva essa dinâmica emaranhada e com pouquíssimos limites. Começo a pensar na situação dessa noiva que vai ter que assumir a carga do casamento desfeito dos pais do rapaz, da falta de firmeza dele frente à isso.
Parece que esta noiva está incomodada com a situação financeira da família, que se complica agora que ela está próxima de realizar seu sonho de casar com o homem que ela ama. Parece. Mas eu, com a minha mania de me meter mentalmente na vida dos outros, acho que não é bem isso.
Eu acho que ela estava feliz da vida com o noivo dela, que eles resolveram se casar, que ele financiou o apartamento pros dois morarem, que ele estava se sentindo aliviado por sair da casa da mãe e começar uma vida nova com a mulher linda que ele tinha conquistado, que os dois estavam apaixonados, nutrindo seu sonho de casar, ter uma vida só deles, viver felizes para sempre...até que o casamento de outras pessoas - os pais deles- que não deu certo, foi jogado como uma bomba em cima desse sonho. Até que a 'situação' da família dele abriu as portas da realidade e mostrou pra eles que o casamento não é esse sonho todo. Que o casamento pode acabar, já que os dos pais dele, acabou... Que a esposa pode terminar sozinha, que o marido pode arranjar uma 'mulherzinha de favela' (palavras da noiva ao telefone) e achar que pode depositá-la sobre as costas do filho.
Parece que o que incomodava essa noiva não era a falta de dinheiro, era a falta de definição. Era a falta de firmeza do noivo frente à situação de seus pais. Parece que o que a deixava preocupada não era ter que pagar o financiamento pro pai do rapaz morar de graça, mas perder o apartamento dos seus sonhos, novinho em folha. E não era o fato de a mãe dele não ter investido o dinheiro do empréstimo na reforma da casa dela, mas a mensagem implícita nesse comportamento de que ela -a mãe- não sabia se virar sozinha e o filho - o noivo, o que seria seu marido, o que deveria partilhar a vida com ela - era quem teria que se responsabilizar pela mãe, uma pessoa adulta, que não queria tomar conta de si própria. Era sacrificar a privacidade deles por isso.
Mas eu acho que a noiva não sabia que era isso que a incomodava. Nem o noivo... Eles deviam achar que isso é assim mesmo, que os filhos devem 'ajudar' os pais.Talvez o noivo se sinta culpado por deixar a mãe sozinha, se preocupe com o futuro dela, em como ela vai se virar. Se o pai a deixou, ele não deveria fazer o mesmo. Talvez a moça, por amor ao noivo, não ousasse pensar que os pais dele poderiam estar estragando os sonhos dela. Talvez ela fugisse de um sentimento de culpa por ser egoísta. Talvez, até, os dois sintam, lá no fundo, que é pecado abandonar os pais... Credo! E aí tem que achar um vilão, um bode expiatório, que nesse caso é o dinheiro...a falta de dinheiro, o empréstimo, o mal uso ...enfim.

 Mas e eles? E o casamento deles? O que será que vai acontecer? Será que vai dar certo? Mais uma vez, com a minha pretensão em achar que posso prever o futuro alheio digo: Talvez...Por um tempo. Depois ela será uma esposa agarrada ao filho com unhas e dentes e abandonada pelo marido confuso e imaturo que arranjou uma mulher menos exigente que ela. E os dois vão ficar com a vida suspensa, igual os pais dele...sem saber onde foi que deu errado, já que eles se amavam tanto e fizeram tudo por seus pais.
Eu e minha mania de ouvir conversa alheia, achando que sei tudo, achando que os pais devem ser, antes de tudo, responsáveis pela própria vida. Que os pais, antes de terem filhos, devem ser adultos, devem ser maduros...
Mas essa sou eu, me metendo onde não devo. Ou será que devo??


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