sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Minha mãe dizia... e eu ouvi.

Minha mãe sempre dizia: "O que a gente conversa dentro de casa, ninguém de fora tem que ficar sabendo."
E com isso ela criou em mim um senso de privacidade. E eu fico imaginando o tanto de trabalho que ela teve para manter 'nossos assuntos' só entre nós criando três filhos num quintal onde também moravam a sogra e uma cunhada.
Além da privacidade, minha mãe também me ensinou a ser discreta. E ela não precisou de longos sermões pra isso. Não... Acho até que ela nem sabia o exemplo que me dava quando, com o almoço pronto, já na mesa, ela me mandava chamar meus irmãos que estavam brincando na rua ou meu pai que estava conversando com a minha vó (que é a mãe dele) mas sem dizer pra quê ela estava chamando. "Ninguém tem que saber que horas a gente almoça ou janta. Ninguém tem que saber o que a gente tá fazendo ou o que eu quero com seu pai. Só vai lá e diz que eu estou chamando um minutinho aqui em casa."
Acho que todas as decisões da nossa família eram tomadas exclusivamente dentro de casa. Se a gente ia viajar, se mudar , quando meu pai estava prestes a abrir um negócio, qualquer coisa, minha mãe não nos autorizava a contar para absolutamente ninguém, até que estivesse acontecendo.... e olhe lá!
Se a gente estivesse com fome, tinha que ir pra casa, se a gente se machucava, se meus irmãos brigavam com os meninos da rua, se algum vizinho perguntasse qualquer coisa, a gente tinha que ir pra casa pra poder resolver.
Se alguém oferecesse comida ou doce, mesmo que fosse a vó, a gente tinha que ir lá em casa antes, perguntar se podia aceitar. Se as crianças da rua chamavam a gente pra brincar, a gente tinha que pedir permissão.
E tinha uma certa noção de 'hora certa pra cada coisa'. Podia não ser a hora de lanchar, podia não ser hora de brincar...sei lá, pode ser que fosse hora de tomar banho e aí não dava pra ir na vó comer bolinho aquela hora,  então "só depois que tomar banho e jantar, aí a mãe deixa." E ela deixava mesmo. Mas na hora certa.
 E ela sabia quando e como as coisas iriam acontecer, a gente não se preocupava se ia comer ou o quê ia comer, ela já dava o prato pronto na mesa. Se ia dormir, se ia tomar banho, que roupa ia vestir, se ia brincar. Minha mãe é que controlava tudo e só ia passando as coordenadas pra gente.
E ela parecia sempre saber quando a gente estava prestes a 'quebrar o acordo de privacidade', ou seja, quando algum de nós três fosse dar com a língua nos dentes, ou pisar fora da linha, porque quando a gente menos esperava ela fazia uma coisa que era mais eficiente e poderosa do que qualquer grito, surra ou castigo: Ela, da janela de casa, só fazia um "Psiiiiiuu!!!" bem grande e a gente já sabia que tinha que parar imediatamente o que estava fazendo e correr pra casa.
Alguém pode pensar "nossa, que triste, que mãe controladora e crianças sem liberdade de escolha...", mas, gente:   uma criança sabe mesmo fazer escolhas relacionadas à sua educação, à imposição de limites e regras? Uma criança está mesmo apta a escolher que comida vai comer, o que é mais saudável, seguro e responsável em relação à sua alimentação? Uma criança, se não for ensinada pelo exemplo, vai saber dizer: "Não, não vou aceitar esse doce agora, pois ainda não almocei e isso pode estragar minha nutrição." ?
O que uma criança sabe a respeito de valores morais, respeito ao espaço particular próprio e dos outros? O que uma criança, por si só, sabe a respeito de lealdade, gentileza, fronteiras pessoais e familiares, sobre disciplina?
Se não for ensinada, nunca saberá. Se não houver uma figura de exemplo, não aprenderá.
Não estou dizendo que criança não pode escolher. Pode sim, mas sempre dentro de um limite de  opções  estabelecidos pelos pais e dentro de seu alcance neuropsicológico. Quero dizer que uma criança pode escolher com que brinquedo brincar, mas não a que horas vai dormir ou se vai usar agasalho no inverno ou não.
Acredito que uma pessoa só aprende a fazer boas escolhas depois de ter tido bons exemplos de como  'fazer escolhas' realmente funciona e saber o que isso significa. Então considero que, um adulto que sabe fazer boas escolhas não é aquele que, na infância foi deixado a fazer tudo o que queria e na hora que queria com o pretexto de estar sendo criado livre para expressar sua vontade. Não, não...esse é o egocêntrico que não aprendeu a respeitar o próximo e que não aprendeu que sua vontade pode afetar e diminuir o direito de escolha de quem está perto. É aquela pessoa que não sabe funcionar em comunidade, simplesmente porque ensinaram a ele que realizar sua vontade é o mais importante e que ele é o centro do universo, primeiro dos pais, depois do resto do mundo...
Então, não sei quanto ao resto, mas me sinto grata por minha mãe ter me ensinado conter minhas questões pessoais e a cooperar com ela quando ela estabelecia qualquer regra de comportamento a mim ou aos meus irmãos. Porque agora estou criando meu filho e não tenho dúvidas quando o assunto é dar limites, ensinar valores e coibir os comportamentos indesejados. Também não me sinto insegura quanto a educação dele, pois tive o melhor exemplo.
Não me lembro de sentir insegurança ou medo quando era criança e acho  que isso se deve à maneira como minha mãe nos educava, com muitos limites, mas com muito carinho, sem nunca precisar bater na gente , ditando todas as regras, horários, rotinas, nos fazendo refletir do que se tratava cada bronca ou castigo que ela dava e o que, no nosso comportamento havia nos levado a isso.
Ela literalmente tomava conta de tudo relacionado a nós três, não deixava nenhuma ponta solta nunca, sempre sabia, percebia e resolvia tudo. E hoje eu me vejo fazendo a mesma coisa com meu filho. Sinto que a educação dele é mais um desses 'assuntos de dentro de casa', e que só eu e o pai dele temos  direito, mas também a obrigação de gerir. Também me vejo, hoje, no lugar em que via minha mãe: o lugar da responsabilidade de criar adultos saudáveis, responsáveis, felizes e moralmente íntegros. Ela conseguiu e como sua fiel seguidora no quesito educação de filhos, sinto que também consigo!
Quando criança eu me lembro de achar muito certo o jeito dela. Claro que, na adolescência isso mudou e eu questionei muito, o que é natural pra essa fase. Mas  hoje, depois de saber realmente os motivos e estar do outro lado na relação mãe-filho, tenho orgulho de ter sido criada por ela e tenho ainda mais orgulho da mãe que estou me tornando, tudo por causa dela.

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